sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Doma Gaúcha



A doma gaúcha é uma prática campeira, tradicional e empírica. No entanto é condenada, direta ou indiretamente, por outros métodos, que se baseiam em teorias e que, por isso, são facilmente aceitas, resultando, por conseguinte, na formação da opinião pública. Entender nossa doma sob a luz das ciências para podermos seguir usando-a como uma seqüência de causa e efeito tem sido ultimamente nosso objetivo. Há algum tempo temos trilhado esse caminho até chegarmos e poder usá-la como ciência e como arte. Nosso pensamento foi estimulado por um filósofo, ou melhor, Papadakis, que disse em sua obra “La ecologia de los Cultivos”. “-Quando as teorias condenam as práticas, são elas, as teorias, que devem ser revisadas, porque as práticas são sinônimos de realidade”. Não necessitamos nos aprofundar. Bastaram algumas noções gerais das ciências ligadas à Biologia para compreender e entender o que buscávamos. O comportamento animal, que sempre foi tido como instintivo, modernamente, está mais do que provado, que se encontra materializado no germoplasma. São inúmeros os exemplos citados, como o caso de uma vespa de determinada espécie, que constrói um casulo de barro, faz uma reserva de alimentos colocando pequenos insetos mortos, põe ovos, tapa o casulo e... morre. Esse processo vem ocorrendo há milhões de anos. Nunca uma geração chegou a conhecer a anterior, porque morre antes dos filhos nascerem. E os novos insetos sempre fazem a mesma coisa, porque este comportamento é genético. A genética tem um único objetivo: a perpetuação e a multiplicação da espécie. Determina, inclusive, que cada um dos seus representantes trasforme tudo que for alimento disponível em corpos da própria espécie. Por exemplo: os chineses, malaios e outros povos da região asiática, comem gafanhotos, aranhas, escorpiões, larvas de formigas, etc., para trasformá-los em corpos humanos. Durante nossa doma, podemos ver como o animal se transforma lentamente, visando sempre a cumprir o que está escrito em sua carga genética. A nossa doma é simples e direta, pois somente usa o que a equitação gaúcha vai continuar usando: um palanque, bucais, cabrestos e maneias de vários tipos, etc. Tudo feito de couro cru e bem sovado; só trocando, no meio do processo, o bocal de couro pelo freio de ferro. Segue uma seqüência lógica, onde cada um dos processos usados é um condicionamento para a aprendizagem dos processos seguintes. No simples ato de atar um bagual num palanque, podemos observar o que acontece. A tentativa de fuga é genética, porque vem ao longo do período de vida selvagem. O animal “senta” para fugir e, de repente, dá um pulo para frente e fica próximo ao palanque. Depois de mais algumas tentativas, ele descobre que esta é a melhor atitude, porque satisfaz a lei da “economia de energia” e da “integridade física”, o que prolonga a vida com vistas ao principal objetivo da espécie, que é a reprodução. Respeitar a liberdade do animal tem de opor resistência, inicialmente, é evitar que ele “sente” mais tarde. Esta primeira experiência é um reflexo incondicionado. As outras que virão serão condicionadas a esta, favorecendo as seguintes descobertas. Para ensinar o animal a cabrestear, deixa-se o mesmo tentar fugir e, quando estiver em posição favorável - atravessado, dá-se uns tirões para os lados. Quando o animal descobre que, ao ficar de frente e se aproximar do domador, evita novos puxões, descobre que cabestrar é a melhor solução dentro de sua própria genética. Respeitou-se a liberdade e induziu-se à descoberta por parte do animal. Todo o resto da doma gaúcha segue o mesmo mecanismo. A escolha do que é melhor para si, e para a própria espécie, fica a cargo do próprio animal, pois a liberdade instintiva é respeitada. A doma de baixo com o uso de maneias, maneadores, maneias redondas ou maneias de trava, visa à segurança do próprio domador e serve para que o animal reconheça a resistência das cordas usadas. A doma de rédea e a enfrenação seguem o mesmo caminho já trilhado pelo animal nas experiências anteriores (reflexos condicionados no processo do mecanismo da aprendizagem). Nos primeiros galopes da doma de rédea, o domador dá uns tirões no queixo do animal com uma técnica especial que vem da experiência acumulada por seus ancestrais e que dá os melhores resultados. De onde vieram estes conhecimentos práticos só a história poderia descobrir, talvez desde a época da domesticação. O animal esbarra quando descobre que isso é melhor para sua integridade física e com o menor consumo de energia, etc. Tudo de acordo com o script de sua genética. Diante da simplicidade dos instrumentos usados em nossa doma, a quantidade de freios e bridões de todo o tipo apresentados por outras escolas que se auto-intitulam de “racionais”, para nós, gaúchos, mais parece uma parnafenália de ferramentas de tortura: a boca do cavalo quando puxado pelas rédeas; bridões cujo bocal é um pedaço de corrente de motocicleta. Todos estes recursos, usados, para outras finalidades e por profissionais competentes, devem ter suas explicações. Daí para diante, na doma de rédea, o domador poupa a boca do cavalo e passa a governar praticamente com as rédeas frouxas, através de senhas, usando mais o balanço do corpo, o relho e as esporas. Para facilitar, antes do primeiro galope, auxiliado pelo amadrinhador, com as rédeas já prendidas no bocal, o domador dá uns tirões com o animal deitado e maneado, de modo que a coluna vertebral fique arqueada, o que diminui a força de reação do pescoço. Pode parecer chocante, para quem tem pouca vivencia com os costumes e, olhando de fora, parece-lhe uma brutal covardia. Porém os domadores sempre usaram este método, porque sabem dos seus resultados, que são bons para ambos, homem e animal. Um exemplo que prova a eficiência e a rapidez deste método de doma de rédea é o seguinte: há poucas décadas, antes dos rodeios de tiros de laço dos CTGs, as diversões de fim de semana eram as carreiras de cancha reta. Uma das tradições que desapareceu foram as pencas de baguais de rédea, de vinte e um dias de pega. Reuniam-se algumas fazendas da vizinhança e passavam o domingo de churrasco e carreiradas. Correr duzentos ou trezentos metros para um bagual que tinha ficado bem sujeito não prejudicava em nada o processo da doma, e, principalmente, sem o risco de o animal disparar, porque já tinha sido dominado no devido tempo nos primeiros galopes, e a campo afora. Após a segunda sova de rédea, sempre foi de praxe soltar o animal, durante alguns dias, para descansar e refazer-se. Esta prática tem como objetivo aumentar o prazer e a vontade de mascar o freio, que seria a etapa seguinte. A nossa doma nunca usou a ação mecânica de reflexos incondicionados que não seriam aproveitados posteriormente como: rédeas diretas, charretear, borrachas, etc. O bem-estar prolonga e melhora a qualidade da vida, um dos objetivos da própria perpetuação da espécie. É por isso que os freios, na Equitação Gaúcha, são também usados desde a enfrenação. Têm o bocal alto, são leves e de pernas curta, com o mínimo de alavanca e com a barbela grossa, para não machucar. Os freios de origem moura, com barbela de argola, muito usados até a época da Guerra do Paraguai, evoluíram, mas ainda preservam o bocal alto e as pernas relativamente curtas. O processo continua sendo o mesmo das fases anteriores, pois é o próprio animal que vai procurar a melhor posição do pescoço e da cabeça para que o bocal do freio toque mínimo possível no céu da boca. Isto faz com que os domadores nunca se preocupem em querer impor, artificial e mecanicamente a melhor postura do pescoço e da cabeça. Neste nosso trabalho, não visamos a ensinar uma prática que sempre foi constumeira onde existe a cultura gaúcha e é por demais conhecida. Entendê-la para podermos seguir usando-a com racionalidade e, ao mesmo tempo, poder evitar os excessos de brutalidade que as ciências não justificam, continua sendo o nosso objetivo. Além disto, para modifica-la, adaptando-a a alguns novos métodos de criação de eqüinos, acompanhando a evolução dos mesmos. E assim evoluir sem modificar sua essência, para não perder de vista o resultado final e, também não mudar o estilo da “equitação gaúcha”. Hoje, é mais usual amanunciar os potrilhos na época do desmame. Também, laçar um bagual de 4 ou 5 anos criado no fundo das invernadas e palanqueá-lo, não se usa mais. Outro exemplo, se quisermos podemos também optar por dar os primeiros galopes com o animal a cabresto; desde que ele corra a campo afora, para que fique bem domado e de confiança. O processo de enfrenação é longo e é o mais delicado. Só termina vários meses depois de ter continuado no próprio serviço de campo, no qual os campeiros procuram ter a mão leviana e não abusar em serviços brabos ou excessivos. Montar num pingo, bem domado e enfrenado à “moda gaúcha”, bem escaramuçado e arrucinado, sempre foi orgulho de nossa gente: um cavalo faceiro, doce de boca e monarca de atitudes, levando o freio perto do osso do peito. Este foi o cavalo que fez a nossa história: cutucado na espora e balanceado na rédea, repontou à pecuária sul-americana e marcou, a ponta de lança as atuais fronteiras de nossas pátrias. Esse é o resultado final de uma doma que visa a ter um cavalo ideal para o serviço de campo e que também serviu para as guerras, - “cavalo de peão e de soldado”. Acrescente-se a isto o fato de que a doma gaúcha, pelas suas características, adapta-se perfeitamente a outras práticas esportivas ou de competição, como o Pólo, Hipismo, Carreiras, bem como as provas do Freio de Ouro, desde que o animal entre em um treinamento especifico para cada uma destas finalidades. Para encerrar tudo o que foi dito acima, reproduzimos aqui as palavras do companheiro Cel. Bayard Bretagna Jaques, ao dizer, com convicção de quem conhece, que “a Equitação Gaúcha é única no mundo por que é ecológica!

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