quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Chimarrão da madrugada




Aureliano de Figueiredo Pinto
 
Não sei por que nesta noite
o sono velho sebruno
ergueu a clina e se foi!
E eu que arrelie ou me zangue.
 
Tenho olhos de ave da noite,
ouvidos de quero-quero,
cordas de viola nos nervos
e uma secura no sangue.
 
Então, da marquesa salto
e vou direto ao galpão:
bato tição com tição
e a lavareda clareia
os caibros do galpão alto.
 
Já a cuia bem enxaguada,
corto um cigarro daqueles
de reacender vinte vezes
num trote de quatro léguas
de uma chasqueira troteada.
 
E, quando a chaleira chia,
princípio de um chimarrão,
mais verde e mais topetudo
do que um mate de barão.
 
Me estabeleço num banco
pra gozar gole e fumaça,
pitando um naco de branco.
E entre tragada e golito
saludo mui despacito
cada recuerdo que passa.
 
Um galo - o cochicho-mestre!
o laço desenrodilha.
E fica só com a presilha
e solta a armada bem grande
do laço de um canto largo
de sobre-lombo a uma estrela.
 
E os outros galos-piazitos
vão atirando os laçitos
como em guachas de sinuelo.
E até um garnizé cargoso
vai reboleando orgulhoso
o soveuzito feioso
feito de couro com pelo.
 
Nem relincham os cavalos!
Com brilhos de ponte-suelas,
lá em riba estão as estrelas!
Cá embaixo os cantos dos galos!
 
A estrela d'Alva trabalha
na imensidão da hora morta:
- ou num perfil de medalha
ou a maiúscula inicial
sobre a prata de um punhal
que ainda há de sangrar o dia.
 
E a "nova" ao largo se corta,
magra, esquilada, arredia,
empurrando a guampa torta
contra o ventito do sul,
como num campo de azul
a ovelha chamando a cria.
 
Solito, perto do fogo,
como um bugre imaginando,
escuto o tempo rodando
sem descobrir o seu jogo.
 
O perro baio-coleira
faz que cochila... e abre os olhos,
a espaços, regularmente.
E me fixa os olhos claros
como um amigo, dos raros,
cuidando do amigo doente.
 
É um gosto olhar os brasidos
e os luxos das lavaredas
dançando rendas e sedas
para a ilusão dos sentidos.
E entre o amargo e a tragada
tranqueiam na madrugada
tantos recuerdos perdidos.
 
E o chimarrão macanudo
vai entrando pelo sangue!
Vai melhorando as macetas,
curando as juntas doridas
como água arisca de sanga
sobre loncas ressequidas.
 
O peito avoluma e arqueia
como cogote de potro.
E as ventas se abrem gulosas
por cheiro de madrugada.
- Potrilhos em disparada
num setembro de alvoroto.
 
Ah! sangue velho... Descubro
porque hoje estás de vigília:
- Dois séculos de fronteiras
de madrugadas campeiras;
de velhas guardas guerreiras
bombeando pampa e coxilha!
 
Por isso é que hoje não dormes!
Ouviste a voz de ancestrais:
- "O chimarrão principia!
Alerta! O campo vigia!
Da meia-noite pra o dia
um taura não dorme mais.

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