sábado, 16 de abril de 2011

AQUI



Eron Vaz Mattos

O progresso e o tempo novo mataram os rebanhos,
As comparsas de esquila a martelo...
O brete, o rodeio e as marcações porteira a fora.

O rádio emudeceu as vitrolas
E o caminhão matou o tropeiro.
E o homem? E a mulher?

Ah! Estes ainda não...
Os homens e mulheres deste pago
Estão como cernes de guajuvira,
Eretos e firmes, como sempre.
Nas suas almas está guardada
A melhor fibra da raça crioula,
Mantendo, como patrimônio maior,
A honra, a dignidade, o apego ao chão,
Ao trabalho e a honestidade.

A gente do meu rincão
Sabe arrancar deste solo
O seu sustento suado.

Crescemos tranqueando atrás do arado
E conversando com os bois,
Por isso temos o braço forte, as mãos, a alma
E o coração calejados pelo trabalho pacífico;
Conduta que adquirimos pelos ensinamentos
Dos nossos anteriores que balizaram rumos para nós
E montaram o cavalo para defender
E tornar brasileiro o chão onde pisamos
E que guarda as suas cinzas.

Aqui, as nostalgias da campanha
encontram amparo nas cruzes sozinhas
quando debruçam as sombras de braços abertos,
sobre a teimosia dos pajonais...
por essas imagens é que as saudades
ganham estatura de cerros.

Aqui, repartimos a dor em silêncio
porque a alma, quando está ferida,
substitui as palavras pelo idioma do coração

Aqui, a sombra dos cinamomos
É muito mais que uma sombra...
É o lugar onde comungam os mansos e xucros,
Remoendo, tranquilos, nos sóis dos verões,
A seiva natural dos campos onde as espécies se igualam,
celebrando a vida, ao redor das casas.

Apenas aqui o andante descobre
o valor de um “ô de casa”, quando sovado de corredores
bate palmas de esperança na frente do parapeito
e as portas se abrem para ouvir
os seus relatos colhidos nas estradas.

Aqui, a cordeona tem voz de recuerdo;
A guitarra tem alma de pátria e querência.
Os galos acordam as madrugadas
E o cheiro dos campos vem dormir dentro de casa.

Aqui, se conhece a volta certa dos cambões das porteiras
E se entende de laços, arames e tranças,
De potros e domas, conjuntas e jugos,
Arados e enxadas, mariposas e galeotas,
Machados e tiradeiras...

Aqui, as mangueiras encerram os tombos dos pealos
e os comandos de “forma cavalo”,
Os berros das vacas mansas timbram a alma do pago,
Com refrões enluarados de madrugada.

Apenas aqui ainda se ouve,
Nas tardes quentes de chuva,
O tuco-tuco justificando o seu nome
E as calhandras ainda encontram
Varais com charque para temperar o assovio.

Nas noites quentes ainda se escuta
A saparia afiando o canto nas chairas dos juncais.
As esporas ainda riscam o chão dos galpões
E as botas têm o couro queimado pelo suor dos cavalos.

As chaminés dos fogões a lenha
ainda fumegam pelas madrugadas
e, ainda, se pode ouvir as cantigas
das sangas claras, os berros de touro
e a cantoria dos grilos...
As babas-de-boi tremulam nos caraguatás,
hasteando em mastros de espinhos
Os rumos dos ventos

Aqui, ainda se pode ver bombachas remendadas
E camisas feitas de saco estendidas num quarador
próximo à tábua de bater roupas,
nos empedrados das sangas

As mulheres ainda usam sombrinhas,
Lenços na cabeça, para a lida
E ainda bordam panos, aventais, guardanapos...
E ainda fazem pão com torresmo.

Aqui, a sabedoria secular ensinou
que fazendo uma cruz com carvão
sobre os ovos de galinhas para chocar
os trovões não conseguem gorar
e a natureza se encarrega de “descascar” as ninhadas
e espalhar infâncias de veludo nos terreiros bem varridos.

Aqui ainda se usa o macete
e a mordaça para sovar um couro...
e se toma café com bolo frito
nas tardes chuvosas de inverno.

A cicatriz dos rodados que nasciam nas cacimbas,
hoje serve de caminho para a sobra dos aguaceiros
engordar as enchentes.

As vezes, o céu pinga pelas goteiras dos nossos tetos
apaga luas e estrelas...
mas acende, em cada um, a sabedoria e a esperança.

Aqui, a felicidade não tem anéis nos dedos
nem diplomas nas paredes.
Mas se tem olhos na alma capazes de interpretar
as parábolas da natureza...
porque sabemos:
Que o canto matinal dos bem-te-vis
É, na verdade, um diálogo com Deus.

FOTO:Pedro Almeida

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.